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Pesquisas sobre o impacto dos investimentos na família para o desenvolvimento da Primeira Infância

Este painel foi apresentado por Maurício Barreto, médico e professor de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, e Marta Rubio Codina, pesquisadora do Centre for the Evaluation of Development Policies Institute for Fiscal Studies, do Reino Unido.

“Vamos falar do impacto de intervenções em grande escala no desenvolvimento infantil de um país em transição”, situou Barreto.

Ele reforçou as conquistas dos últimos anos na área da Saúde: diminuição da desnutrição, da mortalidade infantil, da mortalidade causada por diarreia (que detinha altos índices no começo desta década), e de mortes por doenças respiratórias, entre outros.

Para Barreto, o que contribui para essas mudanças são atitudes básicas. No caso de Salvador, BA, a implementação de um programa de saneamento levou saúde à população. Até então, apenas os 25% mais ricos contavam com serviço de tratamento do esgoto. Hoje, com a obra ainda em execução, 80% da cidade está saneada.

“O programa abriu uma janela de oportunidades para investigar o impacto dessa ação na Saúde e na Economia local”, afirmou.

A Saúde infantil foi beneficiada, reduzindo em 20% os índices de diarreia nas crianças da capital baiana, sendo que, nas regiões mais pobres, essa redução atingiu níveis de 40%. O contágio por parasitas, responsáveis pela anemia nutricional, também caiu, o que melhorou a nutrição infantil.

No entanto, ressaltou Barreto, “saneamento básico, dentre as políticas públicas, é considerada o patinho feio, porque não dá votos e custa caro”.

Mas a população de Salvador tem se mostrado satisfeita com as mudanças geradas pelo programa, que trouxe melhoria das habitações, da Saúde e do odor, que era insuportável.

Outra iniciativa, desta vez no nível federal, que tem se espalhado pelo País, é o “Programa Saúde da Família”. Segundo o médico, uma ação bastante complexa, porque envolve grupos de apoio e equipes, mas que traz bons resultados. Ele associou o programa à redução da mortalidade infantil - pré-natal e pós-natal - e demais causas de óbitos em crianças. O efeito, segundo Barreto, tende a aumentar à medida que o programa se expandir para mais municípios.

Não são apenas as crianças que se beneficiam. O programa também reduz sensivelmente a morte de adultos por doenças crônicas.

Barreto ressaltou que o conceito de Saúde não se esgota em si mesmo porque envolve a melhoria geral das condições de vida de uma pessoa.

No caso do Bolsa Família, cuja metodologia foi adotada por outros países, ele analisou o quanto impacta a vida das crianças. “O benefício é dado às mulheres, emponderando-as, o que favorece o desenvolvimento da criança. A renda só é transferida se condições forem respeitas, como fazer o pré-natal e manter a criança vacinada. Embora seja uma quantia pequena, o recurso tem efeito positivo no bem-estar da criança. Esse programa, associado ao ‘Saúde da Família’, potencializa os efeitos sobre a infância. Com o Bolsa Família, além das reduções já comentadas, as internações hospitalares também diminuíram”.

Para Barreto, não há dúvidas de que essas intervenções, em grande escala, estão ajudando a melhorar as condições gerais de vida das famílias de baixa renda e, consequentemente, da criança pequena.

Experiências bem-sucedidas

Marta Rubio Codina compartilhou com a plateia experiências realizadas em outros países com programas em escala. Um deles, implementado na Jamaica, causou grande impacto no bem-estar das famílias por meio de visitas domiciliares que envolviam estímulos direcionados às crianças. Em alguns casos, também era fornecido uma complementação nutricional ao bebê.

Essas crianças faziam parte de um projeto piloto e foram monitoradas. Hoje estão com 22 anos de idade. O que se percebeu é que nesse grupo o índice de criminalidade é menor, o desempenho no mercado de trabalho e nos estudos é melhor e, por conta disso, esses jovens vivem sob menos pressão do que os não participantes do projeto, o que leva à conclusão de que crianças bem estimuladas têm mais chances de sucesso ao chegarem à vida adulta.

Com base nesses resultados, a ideia é implementar a proposta em larga escala. No entanto, para que possa ser ampliada, algumas medidas terão de ser tomadas: reduzir custos e manter o impacto; garantir a sustentabilidade desse impacto; entender como as famílias se comportam e influenciar positivamente nas relações parentais.

Outro exemplo trazido por Codina é o projeto piloto de médio porte implementado na Colômbia. A ideia da proposta, que tem base nos estímulos sociopsicológicos para a criança, é gerar mudanças por meio de visitas semanais, de uma hora, às famílias.

O protocolo é o mesmo usado na Jamaica. O pesquisador passa o tempo com a mãe e a criança, ajudando-a a interagir com o filho, mostrando a ela como os estímulos realizados contribuem decisivamente ao desenvolvimento de seu filho. Uma parte das crianças também recebeu pó nutricional.

Nesse piloto, os pesquisadores acompanharam mais de mil crianças com idades entre doze e 24 meses, por dezoito meses, em vários pontos do País. O que se pretendia era justamente avaliar se o modelo da Jamaica caberia à Colômbia e se ele permitia escala.

A metodologia é simples: um grupo de mães de determinada comunidade se reúne e escolhe uma porta-voz. Essa mulher é quem escuta, discute com as demais e fala por todas.

Os pesquisadores perceberam que as porta-vozes tinham potencial para fazer as visitas domiciliares. Por isso as capacitaram, o que reduziu custos e facilitou a interação, já que são pessoas conhecidas e queridas na comunidade. Também foi uma maneira de garantir sustentabilidade à iniciativa, porque elas vivem no local onde atuam.

“Mas como manter a qualidade?”, questiona Codina. É preciso usar uma rede de profissionais para garantir treinamento e apoio sistemático, já que a maioria dessas mulheres tem baixa escolaridade.

Por causa dos poucos recursos, cada líder visitava cinco famílias. As mentoras, que apoiavam o trabalho, eram psicólogas, educadoras e especialistas em desenvolvimento infantil, dando feedback às líderes para que pudessem aprimorar suas intervenções junto às famílias.

As interações das mães com os bebês tinham o propósito de impactar positivamente o desenvolvimento das competências cognitivas e de linguagem e aconteciam nos afazeres diários, como trocar fralda, alimentar e dar banho.

As líderes também levavam brinquedos de acordo com a idade da criança, livros e demais acessórios feitos com material reciclado. O bacana é que todos os membros da família acabavam se engajando.

Avaliar para ajustar percursos

Qualquer ação que se proponha a mudar realidades precisa de avaliação constante, justamente para perceber se as mudanças estão, de fato, acontecendo. Se não estão, alguma coisa precisa ser ajustada.

No caso do projeto na Colômbia, segundo Codina, os dados para uma avaliação mais ampla já eram colhidos durante as visitas. Alguns grupos de mães também foram entrevistados para a obtenção de mais informações, inclusive sobre os efeitos da complementação alimentar fornecida a algumas crianças.

O que se percebeu foi que, ao ampliar o projeto (de pequena escala da Jamaica para a média escala na Colômbia), perdeu-se parte do impacto, por exemplo, no desenvolvimento da linguagem. Por isso, essa questão deverá ser retrabalhada. No entanto, a consciência dos pais sobre a importância da estimulação aumentou bastante.

Um ponto importante, detectado pela avaliação, é o alto índice de anemia nos colombianos. Os pesquisadores achavam que a complementação nutricional faria algum efeito, mas isso não aconteceu, porque a dieta da população não contribui à absorção do ferro, por isso essa estratégia terá de ser revista.

Os pesquisadores sabem que algumas mudanças precisam acontecer no projeto original. Dentre elas, o aumento do número de famílias visitadas por líder (e isso envolve mais recursos), garantia de supervisores locais (para diminuir gastos com deslocamentos e hospedagem) e mais treinamento. Também será necessário envolver outras forças da comunidade.

“Quando se dá escala a um programa, ele perde a qualidade. É mais fácil garanti-la em ações menores. Por isso várias mudanças precisam ser feitas nas estratégias para que o impacto seja mantido. Na Colômbia, o ambiente doméstico melhorou bastante e não podemos perder isso, porque contribui muito ao bem-estar da criança”, concluiu a especialista.

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