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A influência dos pais no desenvolvimento das crianças – enfoque na saúde mental

Alicia Matijasevich Manitto é médica e professora doutora na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ruth Perou é PhD em Psicologia Aplicada do Desenvolvimento no Center for Disease Control (CDC), nos EUA. Ambas trouxeram contribuições essenciais ao tema deste painel.

Alicia iniciou a exposição falando da relação da depressão materna com a saúde mental dos filhos, a partir de um estudo realizado em Pelotas, RS, com cerca de quatro mil recém-nascidos de famílias pobres.

Os bebês foram acompanhados e avaliados nas fases dos três meses, um, dois, quatro, seis e onze anos – esta última etapa está acontecendo agora. Os dados recolhidos baseiam-se nas informações fornecidas pela gestante/mãe e na análise dos recém-nascidos/bebês. É um questionário com mil perguntas,

que tratam de vários aspectos, como aleitamento, acidentes, morbidade, dentre outros. Alguns testes também são aplicados para avaliar QI (coeficiente de inteligência) e possíveis transtornos psiquiátricos.

Embora o foco não seja a mãe, elas são bastante investigadas, especialmente no que diz respeito à saúde mental. Atualmente, 3.585 crianças são acompanhadas e alguns dados preocupam: há prevalência de problemas psiquiátricos em 13% delas. Mais de uma entre dez crianças apresentam algum transtorno, sendo mais frequente no gênero masculino.

Alicia também contou que os problemas psíquicos afetam mais as crianças de renda familiar muito baixa. Nas famílias com renda mensal igual ou menor a um salário mínimo, os distúrbios atingem 15% das crianças. Nos lares com renda maior a dez salários, o índice cai para 4%.

O que se sabe é que a depressão pós-parto em mães pobres é bastante frequente. Também já é consenso que a psicopatologia (doenças psicológicas) dos pais é fator de risco de transtornos mentais nos filhos. Por exemplo: 40% dos filhos de pais deprimidos apresentam um ou mais transtornos mentais.

Além disso, a depressão materna acaba interferindo negativamente nas relações familiares, causando tensões entre mães e pais, mães e filhos, pais e filhos, o que reflete nos cuidados com o bebê, levando-o a vivenciar dificuldades cognitivas no decorrer da infância.

O estudo em Pelotas quer revelar as consequências da depressão materna nos dois primeiros anos de vida, mostrar que ela atinge muito mais as mães de baixa renda e avaliar, por exemplo, quais os efeitos de transtorno de humor das mães em bebês com três meses.

A ideia é que sejam criadas estratégias de prevenção para combater esse tipo de depressão, um problema grave e comum entre as mães brasileiras, responsável por muitos danos à saúde mental dos filhos no médio e longo prazo.

Diagnóstico, solução, prevenção e avaliação

Ruth pergunta à plateia: “Qual papel a Saúde deve ter no cuidado de uma população?”. Ela explica que, no Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), nos EUA, os especialistas dedicam-se a responder essa questão, criando conhecimento, ferramentas e dados concretos para que as comunidades possam prevenir e cuidar da Saúde local.

Muito do que é feito está embasado em dados de avaliações para saber se, de fato, as ações realizadas têm gerado o impacto esperado. Ou seja, a equação precisa preencher estas etapas: detectar o problema, achar a solução, prevenir e avaliar as iniciativas.

“Descobrimos taxas elevadas de crianças com doenças crônicas em famílias de baixa renda. Como elas vão conseguir, sem recursos, propiciar o desenvolvimento de seus filhos?”, indaga.

Por isso, a mudança de comportamentos da família, ambientes e espaços saudáveis são algumas respostas imprescindíveis. O trabalho do Centro foca justamente no melhor acesso desses núcleos familiares à Saúde, por meio de ferramentas específicas. Isso significa dar aos pais capacitação e instrumentos que os ajudem a cuidar melhor de seus filhos, combatendo a violência, o uso de drogas, dentre outros problemas que afetam o equilíbrio e o bem-estar da criança.

“Adotamos como estratégia de prevenção o investimento na ‘parentalidade’ positiva. Para isso, o CDC tem o papel de realizar a interface entre Ciência e ação. Usamos informações e dados focando nesse tema e, consequentemente, favorecendo o desenvolvimento infantil”, explica.

Com os dados em mãos e o apoio de universidades, idealizaram o programa “Legacy for Children Model”, que analisa e acompanha crianças em situação de pobreza, indicando premissas de como promover a interação mãe e criança. Segundo Ruth, ele é muito eficaz e consegue mostrar às mães o que elas até então desconheciam: a capacidade que têm de influenciar positivamente no bem-estar de seus filhos.

É uma ação que envolve a sociedade local. As famílias vão para os centros comunitários e as mães realizam reuniões semanais. As atividades foram testadas e interferem no comportamento da mãe, gerando mudanças importantes no seu trato com a criança pequena.

Os materiais usados nas interações são simples e construídos com sucatas e objetos descartáveis, o que reduz custos.

Os temas trabalhados estão voltados ao vínculo, ao apego, à linguagem e aos malefícios do castigo como forma de impor limites, comumente utilizado pelos pais. O que a metodologia defende é que não existe uma maneira certa de ser pai ou mãe. Por isso, nos grupos todos se colocam, falam de suas experiências, frustrações e necessidades.

Embora seja um trabalho comprovadamente eficaz, Ruth ressalta que os resultados aparecem no longo prazo, “porque leva tempo para mudar culturas e comportamentos tão enraizados”. De qualquer forma, por meio do acompanhamento feito, sabe-se que filhos de mulheres que participaram do Legacy apresentam um comportamento social muito melhor. Menos crianças precisaram de intervenções mais sérias e muitas apresentaram um aumento do coeficiente de inteligência, o QI.

“Inicialmente, o programa foi desenhado para as mães. Hoje ele já passou por adaptações e recebe também os pais. É customizado de acordo com a realidade de cada lugar”, finaliza Ruth.

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