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Conceitos e dimensões da “parentalidade” – foco na relação com crianças de zero a seis anos

O primeiro painel do IV Simpósio Internacional contou com a participação de dois psiquiatras: James Leckman, professor de Psiquiatria Infantil da Universidade de Yale (EUA), e Gina Khafif Levinzon, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

Leckman iniciou a exposição falando de pesquisas sobre o cérebro que demonstram como a ocitocina, um hormônio diretamente ligado ao envolvimento emocional, é essencial ao fortalecimento da relação entre a mãe e o bebê. Por isso, os especialistas resolveram estudar a “parentalidade”, por meio de entrevistas e medições desse hormônio nos cérebros humanos. Queria-se, por exemplo, descobrir o que acontece com a mãe quando ela vê seu bebê pela primeira vez. E que diferença existe entre esse momento e quando ela olha o bebê de outra mãe.

Tudo para entender essa relação e ajudar as mulheres a olharem para seus filhos de uma maneira mais consciente, fortalecendo os vínculos parentais que, consequentemente, contribuem ao bem-estar da criança pequena, dando a ela uma maior sensação de segurança, acolhimento e aceitação, pontos essenciais ao seu desenvolvimento.

Trazendo essa reflexão ao tema do Simpósio, Leckman afirmou: “Estamos todos conectados, mudamos a todo o momento. Isso significa que um setor sozinho não pode se responsabilizar pelo desenvolvimento das crianças de um país. Aliás, é bom lembrar que a maneira como se lida com a criança é uma indicação do que cada nação pode fazer por sua população infantil”.

Para o psiquiatra, é preciso pensar nos diferentes aspectos que envolvem a criança, seja em casa ou na escola. O apego, em ambos os casos, é essencial e ter um comportamento responsivo, capaz de definir estímulos diferentes a cada criança, respeitando o que ela é, colabora para o melhor desenvolvimento de suas relações com as pessoas.

O vínculo com o pai

Leckman compartilhou a experiência realizada na Turquia, pela Fundação Mãe Criança, que existe há trinta anos. O objetivo era engajar as mães para que pudessem ajudar seus filhos, por meio de bons estímulos e muito vínculo, a se desenvolverem. Na tentativa de melhorar a proposta, os responsáveis pelo projeto perguntaram a elas o que poderia ser agregado à iniciativa para que obtivesse ainda mais êxito. Para a surpresa de muitos, as mães pediram que as ações envolvessem os pais. Assim foi feito. Os homens, que naquele país têm crenças diversas e convivem com conflitos religiosos, acabaram amigos, deixando de lado qualquer diferença. Tudo para trabalhar pela Primeira Infância. Eles assumiram a sua responsabilidade.

Segundo Leckman, antes de levar mães e pais a entenderem melhor seus filhos, é preciso analisar as formas diferentes de interação, associadas à ocitocina. “No caso das mães, quanto maior o nível desse hormônio, mais elas se dedicam ao bebê, têm mais interação com a criança e mudam a voz para conversar com ela. Já, com os pais, a relação é diferente e acontece por meio de outras brincadeiras, como por exemplo, jogar a criança para o alto”.

Quem mais ganha com o vínculo é a criança, mas a sociedade também se beneficia dele. Segundo pesquisas, o distanciamento do pai com o bebê aos três meses de vida pode gerar agressividade na criança quando ela tiver cerca de um ano, por exemplo. Para Leckman, se conseguirmos mudar a relação parental desta geração, poderemos impactar a próxima. Ou seja, temos de quebrar ciclos, como o da violência. Existem vários programas que trabalham a “parentalidade”, espalhados pelo mundo. Para Leckman, é preciso conhecê-los e realizá-los a partir de parcerias multissetoriais. Um exemplo é o programa adotado em Beirute, no campo de refugiados palestinos, que envolveu as mães para combater a violência doméstica. Elas foram capacitadas em 25 semanas, contando com o apoio de uma equipe multidisciplinar - agentes da Saúde e da Educação.

Dentre as atividades que realizavam, as mães falavam de suas infâncias e como se sentiam criando seus filhos. Elas voltavam para casa com tarefas e depois retornavam às reuniões para compartilhar como as realizaram. Essas trocas estimulavam-nas porque sentiam claramente as melhorias na sua relação com os filhos e no comportamento da prole. “Foi uma mudança de cultura, porque essas mães são, originalmente, mais enérgicas, e lançavam mão de castigos físicos para educar seus filhos. Elas se deram conta de que isso não era necessário e que a vida familiar, sem violência, é mais tranquila”, concluiu o psiquiatra.

“Parentalidade”, um processo que começa no útero

Na sua exposição, na segunda parte do painel, a psicanalista Gina Levinzon explicou que a “parentalidade” começa já na gravidez de uma forma imaginária. Os pais idealizam a criança, escolhem um nome. Quando o filho nasce, eles fazem a intersecção entre o que imaginaram e a realidade, um processo de adaptação que pode gerar alegrias e frustrações. Tudo isso se repete em um segundo e terceiro filho - afinal, cada um é de um jeito -, criando um novo desafio: pai e mãe precisam aprender a lidar com o que é igual e diferente em seus filhos.

Outra questão é que pais eles serão. Os modelos que conhecem são intergeracionais, ou seja, cada pai e cada mãe carregam consigo referências passadas. Todos esses modelos serão colocados à prova pelos filhos.

O que os pais precisam saber é que os bebês têm de se sentir amados, desejados e acolhidos. Só assim poderão construir uma autoimagem sólida. A nossa função é ajudar pai e mãe, e as pessoas que participam direta ou indiretamente do desenvolvimento da criança, a cumprirem esse papel. “É essencial que nós, os profissionais, ajudemos os pais a encontrarem seu lugar e seu espaço no desenvolvimento de seus filhos”, afirmou, complementando: “Temos de levar os pais a conhecer o que acontece em cada fase do desenvolvimento de seus filhos. Sinto que há, por parte deles, muita expectativa em relação ao que a criança sabe ou não sabe, o que pode ou o que não pode”.

Segundo Gina, a psicanálise oferece um modelo de desenvolvimento que serve como base para nossas reflexões a respeito: “O ser humano tem uma tendência inata ao desenvolvimento pleno. Ele só precisa de condições favoráveis para isso”, reforça. Na célula familiar, o ambiente saudável e equilibrado é essencial ao bem-estar da criança. O pai tem um papel importante nisso, dando suporte e sustentação à relação mãe e filho.

Adversidades como crises familiares sérias, pai ausente física e emocionalmente e mãe deprimida dificultam o processo de desenvolvimento infantil, porque a criança não encontra base para crescer.

A criança cresce e a relação com os pais se transforma

As boas condições de “parentalidade” são as que caminham neste sentido, no que diz respeito à criança e ao seu desenvolvimento: dependência absoluta/dependência relativa/ rumo à independência.

Quando a criança cresce um pouco, ela se dá conta de que é uma pessoa e que seu pai e sua mãe não fazem parte dela. Começam as vivências naturais de rivalidade e ciúme, preparando-a para situações futuras. Nesse momento, os pais revisitam a própria infância, reelaboram conceitos e acham novas respostas às questões mal resolvidas.

Dessa forma, com um olhar focado na criança pequena, é possível ajudá-la a se fortalecer em todos os sentidos. No entanto, na sociedade moderna, alguns eventos acabam influenciando negativamente o equilíbrio emocional e psíquico da criança, “como separações litigiosas dos pais, agendas lotadas de atividades, pouco espaço para brincar, cobranças e expectativas relacionadas à performance intelectual dos filhos, dentre outros problemas”, conclui Gina.

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