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Famílias e cuidadores na promoção do desenvolvimento da Primeira Infância

O tema não poderia ser outro para abrir o IV Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, que reuniu, nos dias 12 e 13 de novembro de 2014, mais de 350 pessoas no auditório do Maksoud Plaza Hotel, em São Paulo. O especialista Norbert Schady, economista e Chefe do Setor Social no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), subiu ao palco e cumpriu o seu papel de levar o tema à discussão com total propriedade.

Mostrou um cenário de evolução na América Latina no que diz respeito a específicos cuidados com a gestante e a criança pequena nos primeiros anos de vida. Essa foi uma boa notícia. Afinal, não só os setores da Saúde, Educação e Assistência Social têm voltado seu foco sobre o tema. Economistas também se dedicam a estudá-lo. E constatam que os benefícios vão muito além do bem-estar físico e emocional das crianças. O investimento na Primeira Infância pode trazer maior crescimento

econômico, com profissionais mais equilibrados e capacitados para alavancá-lo, e diminuição da criminalidade.

Os pontos fortes no nosso Continente estão mais concentrados na melhoria da nutrição e na diminuição da mortalidade infantil, ressaltou Schady, que também fez questão de apontar o Brasil como um dos países que mais avançou: “A economia melhorou, o País enriqueceu e está acima do que se esperava”.

Mas, a má notícia é que, como Continente e como Nação, deixamos a desejar no que diz respeito ao desenvolvimento linguístico e cognitivo da criança. O que o economista também lamenta é que não tenhamos dados padronizados a respeito que nos permitam realizar comparações e detectar onde estão as falhas.

Recursos não resolvem tudo

Schady alerta para um dado importante: o índice de pobreza de crianças no Brasil é dez vezes maior que o índice de pobreza na população de idosos. “Essa realidade me choca”, confessa o especialista. “Praticamente não há idosos que vivam com quatro reais por dia. No entanto, cerca de metade das crianças reside em domicílios com essa renda. Uma proporção que tem permanecido igual há anos”, complementa.

Para ele, os programas de transferência de renda são importantes, mas, atualmente, têm um efeito mínimo nas famílias. Isto porque o dinheiro, em si, não é a solução. O que se precisa fazer é mostrar às famílias como usá-lo melhor.

Por isso a importância de programas e projetos que possam ser desenvolvidos nas famílias, em suas casas e comunidades. Primeiro, focando a importância do vínculo e mostrando aos pais e cuidadores como os primeiros anos de vida podem ser determinantes ao futuro da criança.

O que se percebe hoje é que a quantidade de estímulos que a criança recebe em casa é muito aquém daquilo que ela precisa para se desenvolver plenamente. Pais que brincam e interagem com seus filhos são poucos, especialmente nos lares de baixa renda.

Visitas domiciliares: estratégia importante

Outro aspecto abordado por Schady é a forma como os adultos punem seus filhos, usando castigos físicos, um costume cultural prejudicial à criança. Atitudes assim deixam sequelas na vida desses indivíduos, tornando-os parte de um grupo que apresenta altos índices de depressão e de perfis violentos, por exemplo.

É por isso que o palestrante ressaltou a importância de programas que priorizam as visitas domiciliares com o objetivo de mudar comportamentos, potencializar vínculos e estímulos entre pais e filhos e rever a forma como usam os recursos disponíveis para garantir o bem-estar da criança.

O economista deu exemplos práticos de programas internacionais que valorizaram e implementaram as visitas domiciliares. Uma pesquisa, realizada na Jamaica, mostrou as diferenças entre um grupo de crianças, monitorado por 25 anos, que recebeu visitas domiciliares, e um grupo que não as recebeu. “Os resultados foram incríveis já nos primeiros 24 meses de vida”, aponta. Por volta dos dezoito e dezenove anos, esses adolescentes já ganhavam os melhores salários (25% a mais do que os do grupo controle) e nenhum caso de violência foi registrado entre esses jovens.

Creches e pré-escola: quantidade X qualidade

Com relação à educação voltada à criança pequena, Norbert Schady abordou algumas questões como a quantidade maior de crianças brasileiras que passou a ter acesso às creches, especialmente das classes sociais menos favorecidas. No entanto, a qualidade ainda é um problema. O que esses espaços educativos oferecem não contribui ao pleno desenvolvimento de meninos e meninas.

Para embasar sua afirmação, Schady compartilhou dados de uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas sobre as creches brasileiras, apontando que 90% desses espaços são considerados de “muito baixa” e “baixa qualidade”.

A Colômbia usou um sistema em que mães recebiam de dez a doze crianças pobres em suas casas. Essas cuidadoras foram capacitadas e tinham subsídios técnicos e econômicos. Mais tarde, o País resolveu construir centros comunitários para substituir essa estratégia das mães. O governo gastou um milhão de dólares e o impacto foi imperceptível no desenvolvimento cognitivo da criança. Ou seja, a infraestrutura é importante, mas, de novo, não é o que faz diferença na qualidade dos serviços prestados aos atendidos pelo sistema. Tudo indica que as visitas domiciliares, bem direcionados, sejam mais eficientes.

Schady lembra que a realidade da pré-escola também é semelhante à da creche. Falta qualidade. Crianças de cinco anos têm apresentado atrasos cognitivos de um ou dois anos.

Para o economista, os padrões de investimento do Brasil na Primeira Infância estão equivocados. Primeiro porque se gasta oito vezes mais com os idosos do que com crianças de zero a cinco anos. E os recursos dedicados à criança estão concentrados, em sua maior parte, na educação fundamental. Ou seja, no período em que o indivíduo mais precisa de suporte em todas as áreas de cuidado ele não recebe o necessário para se desenvolver.

Os reflexos dessa opção comprometem o desenvolvimento humano e econômico do País.

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