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Revista Cláudia Bebê – edição de dezembro de 2013
Vanessa Sá


Fofura, sim. Obesidade, não.

O chefe inglês Jamie Oliver é líder de uma cruzada que pretende introduzir aulas de culinária nas escolas para ensinar as crianças a comer melhor. A primeira-dama americana, Michelle Obama, encabeça a campanha Let’s Move, cuja ideia é eliminar a obesidade infantil em uma geração. Há poucos meses, o governo brasileiro lançou um megaprograma nas escolas para acompanhar, orientar e alertar alunos do ensino fundamental para o problema do excesso de peso. No mundo todo, autoridades de saúde, médicos e celebridades vêm se dedicando à mais importante questão de saúde pública mundial: a obesidade infantil. Nas últimas décadas, o excesso de peso entre crianças de 5 a 9 anos saltou aproximadamente cinco vezes no Brasil. Hoje, um a cada três pequenos está gordinho, com grandes riscos de, futuramente, sofrer com doenças de gente grande: colesterol alto, diabetes e problemas do coração. “Com o crescimento do PIB e da oferta de alimentos, fizemos uma transição. Passamos de uma situação em que havia predomínio de desnutridos, nos anos de 1970, para o domínio do sobrepeso”, analisa o doutor Ary Lopes Cardoso, médico assistente do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Só que, agora, novas evidências apontam que intervir quando a criança chega à idade escolar pode ser tarde demais. Cada vez mais estudos vêm revelando que eventos ocorridos em uma fase precoce da vida do pequeno, quando ele é ainda um bebê, e até antes disso, ainda no útero da mãe, podem colocá-lo no rumo da obesidade, trajetória que fica cada vez difícil alterar quando ele chega à infância e, mais complicado ainda, quando alcança a pré-adolescência e a adolescência. “Hoje, já se sabe que os primeiros mil dias de vida do bebê, contados aí o período da gestação, podem afetar para sempre a saúde dele. É como se esse período fosse uma janela de oportunidade, ou seja, o momento de agir”, diz Bárbara Lourenço, do departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Infelizmente, os números têm mostrado que, aparentemente, não estamos aproveitando as chances que estão a nosso dispor para educar, desde cedo, as escolhas de nossos filhos. Uma grande revisão de estudos envolvendo a nutrição de crianças entre 1 e 3 anos aponta que elas estão ingerindo poucas frutas, vegetais e carne. As taxas de obesidade na primeira infância já giram em torno de 7%; e os índices de anemia estão próximos de 20%. Além de os bebês estarem ingerindo mais alimento do que precisariam, não estão recebendo os nutrientes de que necessitam nas quantidades recomendadas, ou seja, podem até estar saciados, mas não estão nutridos. O contrário também é válido: muitos bebês vêm sendo alimentados com nutrientes em excesso.

Proteína demais

Em um mundo ideal, toda mãe teria direito de ficar seis meses ao lado do filho, o que a lei estabelece desde 2010. No mundo real, entretanto, nem toda mulher consegue ficar afastada por esse período e volta antes ao trabalho. “A Organização Mundial da Saúde recomenda que o aleitamento materno exclusivo se estenda até os 6 meses, mas muitas mães recorrem às fórmulas antes disso. Mesmo voltando à vida profissional, elas deveriam saber que podem armazenar o leite na geladeira”, alerta Bárbara.

A substituição do leite da mulher pelo industrializado ou mesmo pelo leite de vaca, a qualquer momento dos primeiros meses de vida da criança, vem fazendo com que ela receba muito mais proteína do que deveria. “Uma razão é que a quantidade desse nutriente nas fórmulas é constante, enquanto no leite materno cai nos três a quatro primeiros meses de lactação, fornecendo assim a dose de proteína de que o bebê precisa naquele período de vida. O excesso de proteína eleva o risco de desidratação em qualquer situação, como uma simples diarreia”, explica Ekhard Ziegles, neonatologista com especialização em nutrição pediátrica da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos.

Mais do que isso, proteína demais é meio caminho andado para o sobrepeso no futuro. “Pesquisas já mostraram que a ingestão de grandes quantidades desse nutriente na segunda metade do primeiro ano de vida está associada à obesidade na infância”, declara Ziegler. “Estudos que integram o Projeto Europeu sobre Obesidade Infantil revelaram que o alto consumo de proteína na infância causa um aumento rápido do peso e das taxas de gordura no corpo, que persistem depois da infância”. Tamara Larazin, mestre em nutrição pela USP, alerta que os bebês, atualmente, estão recebendo 186% mais proteína do que deveriam. “Além do exagero ser acumulado no corpo na forma de gordura, no caso do leite de vaca, que tem baixa quantidade de ferro e não contém ácidos graxos essenciais, importantíssimo para o desenvolvimento infantil, aumentam os riscos de aquela criança ter anemia”.

Felizmente, a indústria alimentícia tem estado alerta ao fato e vem revisitando suas fórmulas para chegar a produtos menos calóricos e com teor de nutrientes mais próximos do que os pequenos precisam.

O carro desacelera

A pesquisa é inglesa, mas as coisas não são muito diferentes no Brasil: boa parte dos pequenos está sendo mais alimentada do que precisaria. A quantidade de calorias de que os bebês necessitam varia muito e depende da fase em que eles estão. “Os alimentos são a gasolina que vai abastecer o motor (o corpo) da criança. No primeiro ano de vida, quando o desenvolvimento é mais acelerado, o bebê ganha entre 5 e 6 quilos, mas, depois disso, entre 12 e 24 meses, 2,5 quilos, no máximo. Assim, os pais não precisam ficar assustados se a criança não está ganhando tanto peso quanto no início da vida nem se ela está mal nutrida”, diz Ary Lopes Cardoso.

Um dos motivos que podem explicar – ao menos em parte – esse problema é o fato de as crianças estarem ingerindo produtos industrializados regularmente. “Com a correria da vida cotidiana, muitas mães optam pelas papinhas”, diz Anna Chiesa, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e consultora técnica da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Em alguns casos, elas têm um teor calórico mais alto, além de conter sódio ou mesmo açúcar. O sódio é fundamental para a conservação dos alimentos processados, mas, em excesso, também é a porta de entrada para doenças crônicas, como hipertensão, que vem afetando cada vez mais crianças e adolescentes.

Uma das melhores e mais eficiente maneiras de checar regularmente se o bebê tem um crescimento normal é por meio das tabelas que relacionam peso e altura. “Os pediatras podem e devem alertar os pais para os índices considerados normais. A relação peso/altura geralmente é usada até os 2 anos. Depois disso, já se adota o índice de massa corporal (IMC)*, conta Lopes Cardoso. O IMC é a principal referência do teor de gordura corporal. “É preciso acompanhar os percentis de ganho de peso porque sabemos que a famigerada gordura abdominal, ligada a vários problemas de saúde, pode acumular desde cedo”.

Educar o paladar

Ninguém discute: doce é gostoso. Talvez porque esse seja um dos prazeres mais primitivos, que começa quando as mães dão o peito a seus filhos. Para os bebês, o leite tem um gostinho adocicado, que ajuda a reforçar as lembranças que os acompanharão para o resto da vida. Mais do que isso, os pequenos têm uma preferência inata para o que é doce. E a exposição regular pode determinar as escolhas da criança no futuro. “Até os 2 anos, os bebês têm grande maleabilidade para construir o paladar. Eles não precisam de açúcar até os 3 anos, mas, se têm contato com coisas açucaradas desde cedo, vão se acostumar. As crianças preferem o que é familiar a elas”, afirma Anna.

Assim, é preciso treinar o paladar desde cedo, pois é difícil perder o costume mais tarde. “Há outras grandes questões em relação ao açúcar: primeiro, ele está intimamente ligado a afeto, carinho, amor. Que mãe não quer cuidar do seu filho? Outra é que a maioria dos adultos adoça os alimentos de acordo com os seus padrões e, daí, a criança recebe uma bomba calórica. O maior exemplo disso é o néctar de frutas, bem aceito pelos pais, mas que contém uma quantidade imensa de açúcar”, diz Cristine Bruder, psicóloga e diretora do Primetime Child Development, em São Paulo.

O fruto não cai longe de árvore

Se há algo com que todo nutricionista concorda – e certamente boa parte de nós também – é que não está tão fácil comer bem. Atribulações da vida profissional, reuniões, responsabilidades mil, em casa e no trabalho, e pouco tempo livre tornaram o ato de cozinhar mais raro. E os alimentos naturais foram, pouco a pouco, sendo substituídos pelos industrializados. Nós, adultos, temos comido mal, muito mal. Estamos gordos, com o colesterol nas alturas, com risco elevado de desenvolver diabetes. “Embora a obesidade seja uma doença com múltiplas causas, sabemos que o ambiente tem mais importância do que a genética. Quer dizer, famílias que comem muito, e errado, vão passar seus hábitos aos filhos”, analisa Anna Chiesa. Tamara Lazarin diz: “Dados atuais dão conta de que 22% dos bebês entre 1 e 3 anos tomam refrigerante diariamente e menos de 50% consomem frutas”. Segundo Christiane, é difícil os pais privarem os filhos de alimentos que, para eles, têm forte representação emocional. “A gente vê mais e mais crianças sendo alimentadas desde muito cedo com bolacha recheada, geleias e outras guloseimas, pois, no fundo, isso dá conforto aos pais”. A psicóloga sugere que os adultos façam um esforço para mudar seus costumes e que tragam os pequenos para a mesa desde cedo. “A criança aprende com exemplo. Acho que o alerta para a obesidade infantil é uma excelente oportunidade de os pais perceberem que os filhos podem ajudá-los a mudar os hábitos alimentares da família”.

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