Entrelinhas
Proteger os cérebros, não apenas estimular as mentes

O texto “Protecting Brains, Not Simply Stimulating Minds”, que resumimos aqui, é de autoria de Jack P. Shonkoff, professor de Saúde e Desenvolvimento da Criança na Escola Harvard de Saúde Pública e da Escola de Educação de Harvard, e foi publicado na Science, em 2011.

O tema, sempre atual, nos leva a refletir sobre os programas e as políticas públicas voltados à criança pequena, especialmente na área da Educação.

Para Shonkoff, “o campo da Primeira Infância deve (...) combinar o enriquecimento cognitivo-linguístico com uma maior atenção à prevenção, redução ou atenuação das consequências de adversidades significativas sobre o cérebro em formação (...). Os avanços da neurociência, biologia molecular, da epigenética e ciências sociais e comportamentais, indicam que as bases do desempenho escolar, da saúde ao longo da vida, da produtividade econômica e da cidadania responsável são formadas no início da vida. Baseado nesse conhecimento, a política e a prática para a Primeira Infância são fundamentadas em uma crescente compreensão sobre a extensão pela qual as primeiras experiências são incorporadas no cérebro em desenvolvimento, para melhor ou para pior”.

Isso significa que quando a criança pequena vivencia grandes adversidades, o seu sistema de resposta ao estresse recebe um excesso de atividade, comprometendo o bom funcionamento dos circuitos cerebrais , dos sistemas que regulam o metabolismo e dos órgãos em desenvolvimento, aumentando a probabilidade de problemas na aprendizagem, no comportamento e na saúde física e mental no longo prazo.

Quando entram na creche e pré-escola, essas crianças apresentam um grau maior de dificuldades emocionais, ansiedade, comportamento agitado, falta de autocontrole e uma gama de dificuldades que são geralmente classificadas como TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade).

No entanto, crianças vulneráveis que receberam o suporte adequado, mesmo que vivenciem adversidades, demonstram maior capacidade de desenvolver suas funções, favorecendo uma base sólida para o desempenho escolar e social. “O cuidado atencioso tem se mostrado uma forte proteção para primatas com ‘genes de vulnerabilidade’ que afetam a regulação hormonal do estresse, bem como para bebês humanos com predisposição biológica para ter mais medo ou ansiedade do que as crianças com desenvolvimento normal”, afirma o especialista.

Uma nova agenda de intervenção

Shonkoff, em seu artigo, dá algumas respostas ao desafio de proteger essas crianças, com ações eficazes e em larga escala: “Se a política e a prática para a Primeira Infância dedicassem uma atenção mais explícita à proteção das crianças pequenas contra as consequências do estresse tóxico para o desenvolvimento neurológico, então os cientistas, profissionais e autoridades poderiam trabalhar conjuntamente na concepção e teste de novas intervenções criativas, que combinassem a estimulação cognitivo-linguística com intervenções protetoras que atenuassem os efeitos nocivos da adversidade significativa, começando o mais cedo possível e continuando durante a pré-escola”.

Para que essa realidade se cumpra, o autor nos convida a três reflexões.

1. Programas focados na creche para crianças de quatro anos representam um passo importante na aprendizagem antes da pré-escola, mas não se pode considerar que essa faixa etária seja precoce no que diz respeito ao desenvolvimento do cérebro. Crianças com quatro anos, submetidas ao estresse tóxico, que sofram ameaças à formação de seu cérebro, são mais difíceis de serem recuperadas. Ou seja, qualquer programa que atenda a esse público precisa contemplar ações preventivas.

2. O ambiente doméstico influencia muito a aptidão na escola. Vários programas comprovam isso. No entanto, os avanços na neurociência sugerem que outras intervenções sejam pensadas para melhorar a saúde mental, as habilidades de funções executivas e a capacidade de autocontrole de mães vulneráveis, ainda na gravidez.

3. Embora muitas creches e pré-escolas possuam equipes de profissionais altamente treinados, uma grande proporção de funcionários em programas de educação e cuidados na Primeira Infância possui formação limitada, pouca experiência de trabalho e altas taxas de depressão. Por isso a importância de programas que fortaleçam a saúde emocional, as habilidades de funções executivas e a capacidade de autocontrole dos prestadores de serviços para a Primeira Infância.

As questões estão aí e as reflexões e respostas também. Como o próprio autor do texto ressalta, “o conjunto de novos ‘insights’ oferecidos pelos avanços científicos para guiar políticas e práticas inovadoras nunca foi tão grande. A necessidade de uma abordagem mais equilibrada e integrada tanto no enriquecimento quanto na proteção do cérebro em desenvolvimento nunca foi tão convincente”. Então, é arregaçar as mangas e focar em uma nova e urgente forma de pensar e trabalhar a Primeira Infância.

Para acessar o texto em sua versão original, clique aqui.

 
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